sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Assim como a lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade, o sistema de cotas deve promover a inclusão social.

Abaixo, alguns trechos extraídos do julgamento do agravo contra a decisão liminar que garantiu a matrícula de estudantes na Ufrgs. O relator da turma foi o Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, em 12 de janeiro de 2009:

1 - Registre-se que o intuito de legislações tais como a Lei n.º 10.558, de 13 de novembro de 2002, e a posterior Lei n.º 11.096, de 13 de janeiro de 2005, que criaram condições para o estabelecimento das chamadas ações afirmativas no sistema de acesso à Universidade brasileira é favorecer segmentos economicamente desfavorecidos.
2 -Importa notar, neste passo, que a inserção de cotas não soluciona um problema estrutural da educação brasileira. Impõem-se outras providências a fim de que haja uma verdadeira equiparação de oportunidades já no início do processo de ensino, como a melhora do ensino público, incentivos financeiros para que famílias carentes mantenham suas crianças na escola, etc.
3 - [...] a questão das cotas sociais vem despertando inúmeras discussões na mídia e no mundo jurídico, sobretudo no tema relativo à chamada autonomia didático-administrativa constitucionalmente assegurada às universidades.
4 - Com a devida vênia aos entendimentos contrários, contudo, tenho que tal autonomia não é argüível em favor do sistema de cotas, eis que a mesma, a meu ver, não se insere nos aspectos administrativos das universidades, menos ainda nos didáticos.
5 - Tenho sim, que, em se tratando de uma universidade pública, e, por levar em conta ser uma autarquia federal, o acesso dos estudantes é questão de interesse público da maior relevância e, seguindo os proclames do Direito Administrativo, é inevitável a vinculação ao Princípio da Legalidade. Entendo que tal interesse público evidencia que o sistema em questão não poderia estar regrado por normas infra-legais, regulamentadas por cada universidade pública de uma forma diferente e supostamente protegidas do alcance do Poder Judiciário pelo invólucro da autonomia.
6 - [...] somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade administrativa contrária ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.
7 - Com efeito, no caso em exame, consoante demonstrado na decisão impugnada, restou comprovada a flagrante ilegalidade na aplicação pela Administração do Programa de Ações Afirmativas, eis que a Universidade deixou de adotar critérios seguros de averiguação da situação sócio-econômica dos candidatos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas.
8 - [...] o desvirtuamento do programa, que teria causado resultado completamente diverso daquele que um programa social deve objetivar, uma vez que teria privilegiado estudantes com maior poder aquisitivo.
9 - [...] a autonomia didático-científica das universidades não as desobriga da observância dos princípios constitucionais.
10 - No sistema adotado pela UFRGS, eminentemente social como visto, parte-se da presunção de que os alunos egressos de instituições públicas de ensino fundamental e médio não competem em igualdade de condições com aqueles egressos de estabelecimentos de ensino privado. A presunção, todavia, não é iuris et de jure, mas iuris tantum, admitindo prova em contrário.
11 - A documentação que instrui o agravo de instrumento e as razões postas na inicial colocam sérias dúvidas a respeito do cumprimento do objetivo de erradicação das desigualdades sociais pelo certame levado a efeito.
12 - Como ressalta a parte ora agravante, onze alunos cotistas aprovados para o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da UFRGS são egressos do Colégio Militar de Porto Alegre (fl. 21), escola notoriamente reconhecida pela qualidade de ensino.
13 - Não bastante, há prova de que tais cotistas teriam, ainda, freqüentado cursos pré-vestibular de valor elevado para quem supostamente não teria cursado o ensino fundamental e médio em escolas privadas pela falta de recursos.
14 - A [Ação] inicial foi instruída, ainda, com fotos de alunos privilegiados pelas cotas em férias no exterior (fl. 67 e seguintes), bem como cópias da página do "Orkut" (site de relacionamentos), que parece evidenciar sinais exteriores de pertencerem os contemplados com as vagas ao extrato privilegiado da sociedade.
15 - Ora, os fundamentos e provas postos na ação parecem bem demonstrar que, no caso, o princípio do mérito acadêmico, expressamente previsto no artigo 208, inciso V, da Constituição Federal, está sendo vulnerado sem que, em contrapartida, esteja sendo prestigiado o princípio fundamental da erradicação das desigualdades sociais, pelo contrário, aparentemente e flagrantemente violado.
16 - Pelas razões expostas, defiro parcialmente a antecipação da tutela recursal, autorizando a matrícula provisória dos agravantes no Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, autorizando-os a freqüentar e participar de todas as atividades acadêmicas.

Para ler na integra a Decisão do TRF4 clique aqui

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