A Tese sustentada pelo Escritório Gomes Siqueira Advogados
Associados sobre o Desvirtuamento do Espírito das Cotas Sociais nas
Universidades Públicas, mereceu acolhimento pela desembargadora Federal no
TRF4, Salise Monteiro Sanchotene, relatora do recurso interposto por um
estudante, que embora fazendo jus pelo acesso as vagas reservadas aos cotistas,
havia sido preterido na Universidade Federal do Rio grande do Sul, por ocasião
da matrícula, no curso de Engenharia Ambiental, no concurso vestibular 2014.
A decisão possibilitou a matrícula do estudante no semestre
2014/2 e, sem dúvida alguma, está a demonstrar que a tese sustentada pela
advogada Marise Gomes Siqueira, tende a afirmar jurisprudência sobre a polêmica
questão da má interpretação dos programas de Ações Afirmativas nas
Universidades Públicas. Merece destaque a decisão proferida no dia 26 de
setembro de 2014, posta nestes termos:
(...)
As políticas
afirmativas, presentes no ordenamento jurídico brasileiro e defendidas pelo STF
em outras análises, admitem, em sua avaliação, a adoção de critérios sociais e
étnico-racial, inclusive para ingresso no ensino superior. Neste campo, pondera
o Ministro Ricardo Lewandowski que as ferramentas legais sejam utilizadas com a
observância ao princípio da igualdade material, de modo a assegurar, na
distribuição de um recurso público - que é o acesso ao ensino superior -,
partilha mais equitativa, coerente com os princípios de justiça social. Segundo
suas palavras:
A adoção de tais políticas, que levam à superação de uma
perspectiva meramente formal do princípio da isonomia, integra o próprio cerne
do conceito de democracia.
(...)
Não raro a discussão que aqui se trava é reduzida à
defesa de critérios objetivos de seleção - pretensamente isonômicos e
imparciais -, desprezando-se completamente as distorções que eles podem
acarretar quando aplicados sem os necessários temperamentos.
De fato, critérios ditos objetivos de seleção,
empregados de forma linear em sociedades tradicionalmente marcadas por desigualdades
interpessoais profundas, como é a nossa, acabam por consolidar ou, até mesmo,
acirrar as distorções existentes
Os principais espaços de poder político e social mantém-se,
então, inacessíveis aos grupos marginalizados, ensejando a reprodução e perpetuação
de uma mesma elite dirigente. Essa situação afigura-se ainda mais grave quando
tal concentração de privilégios afeta a distribuição de recursos públicos.
(Lewandowski, ADPF 186, 2012).
No caso, o agravante,
negro e de baixa renda, contrariando as expectativas baseadas em indicadores
sociais de ingresso universitário (http://www.andifes.org.br/wp-content/files_flutter/1377182836Relatorio_do_per fil_dos_ estudantes_nas_universidades_federais.pdf), logrou sua
aprovação no curso de Engenharia Ambiental da UFRGS, Universidade
predominantemente ocupada por brancos de classe média e alta (http://www.ufrgs.br/prograd/prograd-1/acoes-afirmativas/arquivos-acoes-afirmativas/RelatorioAAFcompleto.pdf).
Vale salientar que o
autor ingressou no Ensino Fundamental em 1989, com 08 (oito) anos de idade, na
Escola Estadual de Ensino Fundamental Idelfonso Gomes, tendo interrompido seus
estudos na 7ª série em 1996, com 16 (dezesseis) anos, sem concluir o Ensino
Fundamental, por absoluta necessidade de trabalhar para auxiliar no sustento de
sua família. Aos 20 (vinte) anos, retomou os estudos, concluindo a 8º série do
Ensino Fundamental, na mesma escola. No ano de 2003, com ajuda financeira de
amigo, integrou o Programa EJA - Educação de Jovens Adultos, já com 23 (vinte e
três) anos de idade - programa criado com objetivo de dar oportunidade aos
jovens estudantes que não puderam concluir seus estudos na idade própria
(evento 1 - OUT5 dos autos originários).
Importante também
referir que o agravante concluiu o ensino médio há mais de dez anos, antes da
repercussão e debate acerca das políticas afirmativas, da instituição das cotas
na UFRGS, o que ocorreu em 2008, e antes também da promulgação da referida Lei
12.711/2012, a qual determinou a reserva de no mínimo 50% (cinquenta por cento)
das vagas de universidade públicas para estudantes que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Portanto, tendo o autor
se formado anteriormente à positivação desses critérios objetivos com vistas a
heterogenizar o perfil sócio-ecnômico das universidades, não pode a própria lei
retirar-lhe o direito de concorrer às cotas sociais para ingresso no ensino
superior.
Impedir que autor, hoje
com aproximadamente 35 anos de idade, com renda per capta comprovadamente inferior a 1,5 salário mínimo (evento
1 - OUT8), filho de pais que sequer completaram o ensino fundamental, com
formação educacional fragmentada e negro, é impedir que se realizem os próprios
fins das políticas de ação afirmativa fundamentados na inclusão social e na
igualdade material, pilares indispensáveis na construção de uma sociedade
democrática.
Com efeito, a situação
fático-jurídica é delicada, dada a especial relevância que a Constituição
Federal confere ao direito de acesso à educação e a necessidade de o Judiciário
pautar a análise dos casos que lhe são submetidos pela
razoabilidade/proporcionalidade, sem supervalorização de aspectos meramente
formais em detrimento da concretização do direito à prestação educacional.
Sendo assim, entendo
que o ato impugnado carece de razoabilidade e não pode prevalecer. O autor, de
fato, comprovou ser destinatário das políticas de ação afirmativa que o poder
público instituiu com a finalidade de inclusão de segmento social
historicamente excluído do ensino superior.
Vale referir que, embora
as regras previstas no edital sejam de observância obrigatória e vinculante em
relação a todos os candidatos do certame, não parece razoável que, demonstrado
o preenchimento dos requisitos sócio-econômicos, a confirmação da vaga seja
indeferida.
Nesse sentido há
precedentes desta Corte, em situações similares:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA.
CONFIRMAÇÃO DE VAGA. COTA SOCIAL. DOCUMENTAÇÃO. SUFICIÊNCIA.
1. O Edital nº 007/2013 - COPERVES, que disciplinou as regras
do Vestibular 2013 da UFSM é manifesto quanto à exigência de que, para
concorrer pela Ação Afirmativa 'EP1', a renda familiar bruta do candidato, por
integrante, não pode superar 1,5 salários mínimos.
2. Ademais, conforme o art. 7º da Portaria Normativa nº 18,
de 11/10/2012, que estabelece os critérios para cálculo da renda familiar per
capita dos candidatos optantes pela modalidade de ingresso Ação Afirmativa EP1,
esta será calculada levando-se em conta, pelo menos, a renda auferida nos três
meses anteriores à data de inscrição do estudante no concurso seletivo da
instituição federal de ensino, a partir da média mensal dos rendimentos brutos,
dividido pelo número de pessoas da família do estudante.
3. Embora se saiba que as regras previstas no edital são de
observância obrigatória e vinculantes em relação a todos os candidatos do
certame, não seria sensata a postura da ré em não aceitar a documentação que o
autor possui, pois é suficiente para demonstrar a situação financeira familiar,
e, por conseguinte, apta a demonstrar a renda mensal per capita, nos moldes
estabelecidos pela normatização de regência, inclusive aquela originária da
própria UFSM.
(TRF4 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5008093-24.2014.404.0000/RS,
Relatora Des. Marga Inge Barth Tessler, 11/07/14)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. UNIVERSIDADE.
COTAS. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR PARA CONFIRMAÇÃO DE VAGA.
1. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total
ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e haja
fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
2. Embora o prazo para apresentação da documentação já tenha
decorrido, deve ser considerado que o direito à educação é um bem maior em
relação a um requisito de organização imposto pela instituição de ensino.
3. Há extrema desproporcionalidade entre a falta cometida
pelo autor (apresentação incompleta de documentos) e a penalidade aplicada
(perda da vaga desejada e conquistada).
(TRF4 AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5007554-58.2014.404.0000/RS
Relator. Des. Cândido Alfredi Silva Leal Junior,05/06/14)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENSINO SUPERIOR.
VESTIBULAR. ENTREGA DE DOCUMENTAÇÃO DEFICIENTE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Embora se saiba que as regras previstas no edital são de
observância obrigatória e vinculantes em relação a todos os candidatos do
certame, não é sensata a postura da ré em não aceitar, extemporaneamente, a
documentação faltante, porquanto a Administração não sofrerá qualquer prejuízo
em acolher a pretensão, ao contrário do agravado, que será privado de seu
direito a seguir o curso que escolheu e fez por merecer
(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5007673-19.2014.404.0000/RS,
Relator Des. Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, 28/05/14)
Como dito, admitir a
perda da vaga conquistada em processo seletivo altamente competitivo, como, de
regra, é o vestibular para acesso às universidades públicas, é consequência
extremamente gravosa, que contraria não só o princípio da razoabilidade como
também a própria finalidade inclusiva dos Programas de ações afirmativas.
Deve, então, ser
deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo para conceder a
antecipação de tutela, com a finalidade de que a UFRGS autorize a matrícula
provisória do agravante no Curso de Engenharia Ambiental, para o qual foi
aprovado no CV 2014.
Ante o exposto, defiro
o pedido de antecipação de tutela recursal.
Intimem-se, sendo a
parte agravada para apresentar contrarrazões, nos termos do art. 527, V, do
CPC. Após, voltem conclusos.
Porto Alegre, 22 de
setembro de 2014.
SALISE MONTEIRO
SANCHOTENE
Relatora
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